Recordar e viver
Acabei de reassistir ao grandioso filme "Central do Brasil", de Walter Salles. Não fosse pela pieguice religiosa, seria uma obra perfeita. Acho que o filme de Salles foi o grande responsável pelo ataque às torres gêmeas e ao pentágono. Quem poderia se conformar com o filme perdendo, na entrega do Oscar, para um erro histórico-cinematográfico: "A Vida é Bela"? Aviões nas torres gêmeas!
"Central do Brasil" reabriu as portas do mercado internacional para o cinema brasileiro, fechadas desde o declínio do Cinema Novo. E ainda há gente que pensa que um país que, por preconceito ao terceiro-mundismo, passa ao largo dessa maravilhosa obra cinematográfica, pode não entrar em crise.
Assistir-se ao filme de Salles é fazer uma volta no tempo. Nesse blog já disse que quando me lembro do horror que era a economia brasileira, tudo parece fazer parte de um tempo distante. Pois o retrato brasileiro apresentado no filme de Salles também parece a foto de um Brasil bem mais distante (ainda que um pouco mais próximo do que o econômico).
Nesses últimos anos, a postura do brasileiro mudou. Muito lentamente, é verdade. O filme de Salles fala de um país decadente, de traficantes de órgãos (bem, traficante ainda tem muito por aqui), alcóolatras, gente desesperançosa, sem capacidade de indignação, que quase tem orgulho da própria miséria. O brasileiro hoje é um povo de olhar esperançoso, com vontade de trabalhar, que não se compadece da própria miséria.
Salles fez uma obra inigualável, uma pena o sucesso ter-lhe tirado a força criativa. Quem assiste a "Central do Brasil" e vê o seu último longa, "Linha de Passe", jamais os associa a um mesmo diretor.
O cinema brasileiro ganhou o mundo, conquistou platéias, seus diretores filmam com grandes astros internacionais. Perdeu, entretanto, a sua capacidade de contar uma nova história, de contrapôr-se à mesmice no cinema internacional, em especial ao hollywoodiano com seus insuportáveis clichês. Salles falava de um país decadente, mas não vendia nem explorava essa decadência, como fizeram alguns dos diretores que seguiram na porta por ele aberta. Vendendo "Carandiru", "Cidade de Deus", "Ônibus 174".
O Brasil das telas de hoje é o Brasil que Hollywood quer mostrar. E as exceções não ganham a mesma repercussão. "Romance", de Guel Arraes, é um exemplo disso.